Murphy anda de ônibus

Eu já sou uma pessoa, digamos, de pouca paciência. Me tirar do sério não é uma tarefa das mais difíceis. E, por eu ser assim, um doce de pessoa, mas altamente irritável, às vezes tenho a sensação de que a galera se prevalece disso, só para me ver encarnar o próprio cara que fica puto.

E parece que eu atraio todo tipo de situação bizarra.
Só para ilustrar: eu faço pós-graduação em Cascavel, que fica a 146 km daqui. A cada 15 dias, tenho aulas às sextas à noite e aos sábados, o dia todo. Por isso, eu pego um ônibus  — vulgo “Tristeza dos Campos” — na sexta, no horário das 15h30, para chegar a tempo da aula.
A odisseia já começa pelo fato de que, como muitos de vocês devem saber, Foz do Iguaçu é conhecida como a terra dos muambeiros. O que, em parte, procede. Por isso, a dita empresa de transporte interestadual disponibiliza seus piores e mais sucateados veículos para fazer o trecho Foz—Cascavel. Quem nunca andou  num pau-de-arara deveria experimentar os confortabilíssimos ônibus da “Tristeza”.
Então, estar na fila do embarque e ter os “companheiros de viagem” me pedindo para levar as malas duvidosas deles, eu já nem considero mais. É normal. O que é inaceitável, na minha opinião, é ter de fazer sauna dentro do ônibus, já que ar-condicionado certamente não existia na época em que fabricaram os veículos. E, quando tem, não funciona.
Não bastassem o fedor mau cheiro — não preciso entrar em detalhes —, o calor e o risco sempre iminente de o ônibus ser apreendido na rodovia pelo tanto de muamba que carrega, ainda sou obrigada a aturar as conversas do povo. Sério, não quero ser arrogante, nem nada, mas é cada papinho podre, digno dos melhores diálogos das novelas do SBT.
Não sei por que as pessoas não conseguem sentar a bunda na poltrona e ir até a próxima cidade caladas! Por que diabos elas têm que ficar contando toda a vida delas e dos parentes, pra alguém que nunca viram?

Por que, meu Deus, por que as pessoas têm tanta necessidade de falar e falar e falar e falar e falar e falar e falar e falar e falar…? E o pior: por que têm de falar tão alto?????
Conseguir tirar um cochilo num veículo desses, eu sei que seria pedir muito. Não sou tão iludida… Mas, será que eu não poderia ter umas duas horinhas de paz na minha viagem? Eu poderia, por exemplo, ler um livro! Que tal?
Não! Jamais. Never. Nunca na história deste país!

E antes que vocês me chamem de anti-social, ponham-se no meu lugar e imaginem-se tentando simplesmente relaxar a bordo de um ônibus [ironia] ma-ra-vi-lho-so [/ironia], enquanto ouve uma tiazona contando pra “cômádre” das filhas dela que graças a Deus casaram bem e estão morando na capital; ou um cara escroto se fazendo pra cima de uma guria totalmente insuportável e certamente com QI menor que de uma ameba em coma porque ele dá altos perdidos na namorada; ou alguma velha louca que está vindo da puta que o pariu e conta todas as desgraças da família dela por horas; ou algum idiota ouvindo música no celular; ou um babaca que senta do seu lado e te cutuca o tempo inteiro tentando puxar conversa…

Gente inconveniente tem em todo lugar… mas, somos obrigados a suportar?

Como se não bastasse tudo isso, sempre tem as crianças! Isso é regra: se tiver 40 pessoas num ônibus, e apenas uma criança, essa criança certamente estará atrás de mim ou do meu lado. E como vivemos em um tempo em que a falta de educação impera, quero deixar bem clara uma coisa: meu problema não é com as crianças, porque elas não sabem o que estão fazendo. É com os pais, que já são mal educados e, por consequência, não conseguem educar seus filhos (ou têm preguiça!) e os deixam pensar que o mundo inteiro é um playground – e que as outras pessoas são obrigadas a aturar sua má-criação.

Da última vez, eu fui daqui a Cascavel aturando uma pestinha que não devia ter mais de três anos, tagarelando tanto que eu cheguei a ficar preocupada se a criatura não havia engolido um rádio. Porque não é possível uma pessoinha tão pequena falar tanto!

E se estivesse falando, eu pensaria em oito maneiras de afogar a mãe dela num balde de soda cáustica. Mas, para completar minha felicidade, a criatura pulava, e batia no meu banco, e se segurava no encosto arrancando meu cabelo. O pior é que as minhas insistentes olhadas para trás não pareciam surtir efeito, e os pais continuavam lá, com a expressão de uma samambaia em coma, deixando a guriazinha fazer e acontecer dentro do ônibus.
Nesse contexto, eu chego a Cascavel irritada, suada, estressada e com minha enxaqueca no auge… e tenho de assistir aula! Porque, se alguma coisa no mundo tiver a mínima chance de acontecer de maneira que eu vá me incomodar muito, pode ter certeza de que ela acontecerá, e potencializada.
A cada vez que eu tenho que ir para lá, eu já fico imaginando, de antemão, qual será a incomodação da vez. Eu tento me preparar psicologicamente, mas ele, o onipotente, o onipresente, o onisciente, aquele de quem não se pode falar o nome até porque ele aparece de qualquer maneira!, sempre tem alguma coisa nova e totalmente inusitada, especialmente reservada especialmente para mim…
Por isso que eu digo: eu prefiro ter um filho viado que um filho Murphy!!!